segunda-feira, 17 de março de 2008

Por favor, um sonho!

Sentei-me na calçada. Era uma rua bonita, de sobrados coloridos, crianças correndo em risadas doces e picolés derretidos. Pipas alegravam ainda mais o céu de baunilha. Havia, na esquina, uma padaria charmosa e antiga, com os melhores confeitos já confeitados e enfeitados. Lembravam-me a Fantástica Fábrica de Chocolate, mas da primeira versão do filme, quando eu ainda era uma menina feita de algodão doce. Eu adorava me lambuzar com o sonho da padaria da esquina. Tinha grande, pequeno e médio. De chocolate, baunilha, morango e tradicional. Eu gostava do tradicional médio. E essa era a minha sina. Sentava lá, na sarjeta, com o meu sonho tradicional médio. Fechava os olhos para concentrar-me apenas no paladar. Ah, o paladar. O melhor dos sentidos, sem dúvida. Se pudesse, tampava até os ouvidos. Ficaria cega e surda naquele doce momento. Queria saborear. Só. Sentir com a boca. A língua. Guardar todas as inúmeras sensações delicadas e fumegantes. Porque açúcar engorda, mas me faz feliz. E eu gostava tanto do tradicional médio que não me permitia experimentar novas versões. Até tentava, de vez em quando, na expectativa de outras terras degustativas. Quem sabe até mais agradáveis. Mas não conseguia. Era mais forte que eu. Aquela profusão delicada de sabores já me fazia feliz. Impedia-me de tentar outros gostos. Era tão feliz com o tradicional médio. Tão açucarada. Até as crianças da rua riam de minha cara de céu quando estava me deliciando com meu doce preferido. A Aninha, por exemplo. Ela tinha apenas nove anos e já experimentara todos os sabores possíveis da padaria da esquina. E ainda sugerira à dona Doca que criasse algo novo. Corajosa desbravadora essa menina. Eu? Eu bem que tentava. Todo sábado à tarde, por volta das 17h, depois de tirar a minha religiosa soneca, calçava o meu tênis azul e ia até a padaria da dona Doca. E lá, nem precisava pedir, que ela já havia embrulhado o meu sonho tradicional médio. A Aninha, muitas vezes, aparecia por lá e ria de mim, novamente. Depois, pedia um doce diferente – certa vez quis profiteroles de banana. Espantei-me com tanta inovação. Como podia? Tão novinha e cheia de sabores. A menina também me acompanhava até a sarjeta em frente a minha casa e sentava-se comigo. Ela, com seus sabores difusores. Eu com a minha tradição encarnada. Sempre me oferecia um pedaço de seu doce, mas eu recusava, prontamente. Como poderia? Ia estragar o meu paladar. Ia ferir meus princípios degustativos de ser. Hoje, estou aqui sentada na mesma sarjeta. São 17h40 e estou estranha. Não sei o que sentir. Nem o que fazer. A dona Doca, da padaria, ficou doente e não fez os doces hoje. Como pode? A Aninha ficou com pena e me trouxe uma bomba de chocolate da padaria da rua de cima, que nunca entrei na vida. Estou olhando pra essa bomba há 20 minutos. Mas não tenho coragem. Se o gosto for ruim, tudo bem. Mas e se gostar?

13 comentários:

Camilla Tebet disse...

Nooooooooosssssssssaaaaaaaa, me deu água na boca. Um texto tão rico de sentido. Sentido físico e sentido emocional. Lindo! "se for ruim, tudo bem, mas e se eu gostar", realmente é de matar. Adorei. LIndo, lindo, lindo! Doce inteiro e amarguinho no final. Saboroso.

Camilla Tebet disse...

Ah, esqueci: e o título?? Cheio de sigificado. Cada um com seu tamanho de sonho. MAs nada impede de que o sonho cresça com a gente né??
Eu..
Camilla Tebet
www.essepapo.nafoto.net
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Friendlyone disse...

Quantas vezes oportunidades excelentes passam só porque temos medo de arriscar. Ao mesmo tempo que acho isso triste, me causa também muito medo. Mas se não tentar o novo...Nunca saberemos.

Narradora disse...

Adorei, simples assim...
Já sentei muito em guia de calçada e amo sonho.
Açúcar também me deixa feliz (rs), mas o seu texto também me deixou e ainda por cima é light.
Beijo

Pratas Diversas disse...

Ah, quanto sabor encontrei aqui. Um feliz encontro entre a coragem e o medo. Quem me dera fosse tão destemida como "Aninha" por sua maneira de saborear a doce vida. Simplesmente um favo de mel ler suas palavras. Um bjo no coração.

Camilla Tebet disse...

Prefiro essa foto. Gostei.
beijos

Simoni Oliveira disse...

Muito bom seu texto. E a vida é assim, sempre nos movendo por um sonho. Seja ele de açúcar ou não. Mas pra sonhar é preciso coragem pra mudar, nem que seja de um sonho médio de baunilha pra um sonho grande de morago. E as oportunidades também aparecem do mesmo jeito citado no seu texto, às vezes, vem através de uma amiga(o) trazendo um novo sabor de sonho, basta termos coragem pra nos adaptar ao sabor novo, não necessariamente que vamos esquecer de sabores antigos.
Bjs.

aluaeasestrelas disse...

Fantástico como todo o resto que sai desta mente e mãos àvidas a transformar em palavras, tudo o que sente, vê, imagina, sonha e deseja...
Você é fonte de inspiração!!!
Beijos,
Fernanda.

Jacinta Dantas disse...

Lúdico, gostoso e problematizador. Lúdico por me permitir flertar com a criança que habita em mim, gostoso pelo sabor de ler...asim, sem complicações e, problematizador por me falar do quanto prá mim,é preciso se lançar, acreditar no potencial e se jogar em novas experiências. Se não for bom, okay, sigo em frente com a certeza de que vivi algo que não gostei. Mas, se for bom, posso mergular de cabeça. Gostando ou não gostando, tenho nas duas opções, possibilidades de novas descobertas. Nem que seja para dizer: isso aqui eu não quero.
Nossa, meu comentário ficou grande demais. Acho que viajei um bocado, mas viajar na palavra do outro, que agora é minha, é também uma escolha.
Beijos
Jacinta

João Neto disse...

"...quando eu ainda era uma menina feita de algodão doce." (Luci)

Tempo bom que há de voltar. Não creio muito naquela história saudosista de que tempo bom era apenas aquele do passado. Tempo bom é o hoje e continuamos feitos de algodão doce, pois sonhamos e experimentamos, às vezes gostando do novo sabor, às vezes não...

Letícia disse...

Coisas que amo: A versão original do filme A Fantástica Fábrica de chocolate e coisas de criança. Sem contar o céu de baunilha, que me lembra Vanilla Sky - filme que não canso de assistir. Seu texto tem de tudo: Adjetivos, imperativos e a paz de quem escreve com talento.

"Se o gosto for ruim, tudo bem. Mas e se gostar?"

(Luci)

E provar sem medo sempre.

Bjs da sua amiga,
Letícia

Luis Eustáquio Soares disse...

olá, lucia, se gostar não trairá ninguém, mas terá mais nós onde lançar seus sabores.
b
luis

Unknown disse...

Olá Moça...
Belo texto simples... Gosto dessa sua forma de escrever, é leve e faz com que meus pensamentos flutuem...
Bom imaginar-me na calçada sentada apenas tomando um sorvete, aliás, estás servida...
Até a volta... até a próxima.. até um dia...
Valeu!:)...
Ps.: Obrigada por adicionar Esquadros em seus links...