segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Café amanhecido

Ele estava atrasado. E eu, ligeiramente ansiosa. Já estava no segundo café e no terceiro cigarro. Já folheara três revistas e tentara ler, em vão, a capa do jornal de ontem. Por que será que o jornal do dia sempre chegava no outro dia naquela cafeteria? Tudo era tão charmoso ali, tão gostoso e confortável. Mas as coisas sempre tendiam a atrasar naquele lugar. Olhei em volta à procura da garçonete. Ia pedir uma água, minha garganta estava secando. Cadê a moça? Ah está ali, atendendo aquela mesa. Espere um minuto! Acho que ele está sentado ali! Mas que desencontro, será que entrou e não me viu aqui? Levantei, abruptamente, deixei cair a bolsa grande que estava pendurada na cadeira, e as coisas se espalharam. Como sou desastrada. A garçonete correu para socorrer-me. Obrigada. Mas ele nem se virou. Que mal educado. Tudo bem, não deve ter me visto. Mas também, o que isso importa agora? Quero mesmo é reencontrá-lo. Espero sua volta desde um tempo que já não existe mais. Vou guardar as coisas bem rápido, depois organizo com calma. Agora preciso ir até ele. Preciso sentir o seu cheiro e ouvir a sua risada. Rir de suas piadas. Divagar com ele. Falar sobre o último filme que vimos juntos, há muito tempo, e que não tivemos tempo de comentar. Bem, vou andando, agora devagar e segurando a bolsa. Ele continua bonito, mesmo de costas, sei que continua bonito. Agora tem um cabelo levemente grisalho, mas continua todo desgrenhado, como na infância. E suas costas continuam largas. Vou me aproximando e sinto meus pés mais pesados. Frio na barriga, arrepio nas costas e boca formigando. Olá. Ele levanta a cabeça. Me olha profundamente. Nossa, como está diferente, mais velho. Os olhos parecem cansados e a pele angustiada. Mas o olhar é o mesmo. Sim, ele ainda mora naquele corpo. Olá, insisto. Ele não sorri, como eu esperava. Não se levanta, como eu esperava. Não me beija, nem me abraça. Apenas devolve o olá. Recíproco. Eu me sento na cadeira à sua frente, desolada. Começo a me anestesiar. Nossa, quanto tempo, hein. Digo, meio sonâmbula. Ele arrisca um sorriso, mas não tem sucesso. Começo a me entristecer. Ele, então, segura a minha mão, na tentativa de consolar alguém que pretende proteger, mas sabe que não pode. Sinto seu calor, sua pele ainda macia e acolhedora. Quase me alegro. Por um segundo meu corpo se alivia. Ele pergunta se estou bem. Sua voz ainda me fascina. Diz que o tempo não passou pra mim. Que sentiu sim a minha falta, durante todos aqueles longos anos. E em nenhum momento, ele sorri. Não vejo entusiasmo. Nada. Mas é ele, ainda, eu sei que é. Posso sentir a mesma voz de antes. Mesmo que agora esteja se esvaindo. O que está acontecendo, por que aquele adeus sem ter sido? Olho nos seus olhos, à procura daquela vida contagiante de antes. Só encontro dois pares de pupilas. Prisioneiras daquele olhar de meia vida juntos, meia vida separados. Procuro as palavras de ontem em sua boca. Mas ele não as diz. Elas já morreram. Foram sepultadas há tempos, agora eu sei. Ele mergulha um fio de olhar de antes nos meus olhos e então, solta a minha mão, de uma vez, pra não doer muito. Levanta-se desajeitado. Vira-se rapidamente e nada mais. Bonito, sempre bonito. Eu, por mais que tentasse, fiquei ali, parada, sentada, pregada naquela maldita cadeira daquela cafeteria esquecida, de noticias atrasadas. Vi aquele homem se arrastar calmamente até a porta, sem olhar pra trás, sem me dar qualquer porquê. Abriu a porta. Passou pela porta. Fechou a porta. E eu continuei ali, na cadeira solitária daquela mesa velha, não mais charmosa, com um café frio na minha frente e a garganta seca por um grito que não gritei. Os braços paralisados à espera do abraço que não veio, agora se prenderam à cadeira. A boca, semi-aberta, semi-acabada. Semi-boca. Os olhos desacreditados tentavam não ver o nada que surgia com o fechar daquela porta. A dor pairou. Bebi o café frio e o olhar endureceu. Mais uma vez. E agora sem fim. As lágrimas, então, viraram suor.

2 comentários:

Ana Cláudia disse...

Lu, que ritmo...senti a ansiedade dela no texto todo, e a decepção do final. Como sempre, você nos toca de uma maneira muito sensível e intimista. Amei!!!
Beijos,
Ana

Friendlyone disse...

Gosto da riqueza de detalhes com que descreve. Puxa...Bom aqui!