segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sem flores

Ela percebeu, enfim, que não receberia flores naquele dia que até então acreditava ser especial. Entendeu que não era assim tão especial quanto desejava. Não era, oras. E ponto final. Entendeu que de amor não compreendia. Apenas sentia. Queria ser amada como na época em que ainda sonhava. Porque trazia consigo um pedacinho daquele sonho de menina romântica. E ele era renovado todo santo dia, sem que ninguém suspeitasse.
Queria muito ter o carinho daquele amor. Porque havia sim, muito, muito amor ali. Mas não do jeito que sonhara: queria ser surpreendida ao nascer do sol, ganhar estrelas de presente, se deliciar em beijos pretensiosos e se embebedar de uma paixão embarcada no clamor. Não precisava ser assim todo dia. Só de vez em quando. Mas tinha que existir aquele amor encomendado.
Ela ainda não sabia que amor é amor. Simples assim. Completo em si. Sem saber disso, e ainda sonhando com um amor inventado, ela não conseguia ser feliz. Sentou-se, desolada, na cadeira que rangia sua dor de desamor. Estava desacordada no que as pessoas insistiam em dizer que era autêntico. Não era, oras. Não pra ela, que ainda sentia vontade de brincar de voar. Queria mais da vida. Queria mais vida. Entendeu agora?
Seu olhar foi arremessado na ausência. Suas mãos se abraçaram, entregues à solidão encarnada. E as pernas balançavam no ar, numa tentativa equivocada de encontrar o nada. E se jogar. Mas nunca se jogaria. Era uma menina medrosa. Tinha medo de perder o pouco que colecionara. Tinha medo de descobrir que seu amor não valia nada. Tinha medo de encontrar. E de não encontrar também. Tinha muito medo ali com ela. Sua prisão estava pronta e bem trancada. Então ela chorou. Mas nem isso adiantou. Nada aconteceu. Tudo ficou igual depois do choro compassivo dela.
Foi quando ela começou a falar. Falou, falou, falou. Despejou muitas palavras. Ela era bilíngüe, aquela menina. Falava duas línguas raras. Poucos entendiam. Mas os que compreenderam disseram que ela tem o dom de encantar quando começa a pronunciar aquelas palavras difíceis.
Ela ficou feliz, enfim, porque alguém entendeu sua dor. Sua ânsia de amor de sonho. De um sonho precioso e bem guardado. De uma quimera que encanta porque tem magia de criança. Depois disso, ela levantou-se da cadeira que rangia e resolveu voltar. Mesmo sem as flores que queria tanto ganhar naquele dia tão especial.

7 comentários:

Ilaine disse...

Luci!

Seu texto envolve. Conta a história de uma mulher-menina que quer amor, flores e compreensão. Há tanta cadência em teus escritos, Luci. Muita música, poesia e um tanto de melancolia. Quando a crônica termina, eu queria que ela continuasse. Adorável leitura.

Beijos

Camilla Tebet disse...

Puta que pariu.. chorei ao ler esse texto. Texto lindo e caiu exatamente no meu momento ( e vc sabe disso). Vc conversa com quem está lendo.. Sei lá. esse texto mexeu demais comigo. VOlto a ler.
Bjos

Camilla Tebet disse...

Li de novo, pensei e voltei. E o que resta de amor verdadeiro se não a esperança de flores em surpresa? O dia-a-dia onde aceitamos que amor é amor? eu não sei.. eu choro por isso. Esse negócio de amor de sonho é amor de verdade? Eu não sei. O texto é lindo, mas eu to em dúvida. Sempre. Acho que esperarei flores pra sempre.

aluaeasestrelas disse...

Lindo. De uma profundidade que seduz, encanta. Dá vontade de ler mais sobre essa mulher... Menina, que quer apenas amar e ser amada.
Bjos.

Camilla Tebet disse...

Vai ver é isso mesmo.

Narradora disse...

Gostei muito.
A honestidade da moça, a insistência em não se satisfazer com o "real"... mas será que por ser real tem que ser assim?
Eu não quero um amor de sonho, mas quero um que venha com flores, pelo menos de vez em quando ;)
Bjs.

Assim que sou disse...

Já te disse que me identifico com seus textos e você já revelou o mesmo em relação aos meus. E é curioso como, em não raras vezes, postamos sentimentos e relatos semelhantes, embora pareçam tão diferentes. Me senti assim hoje, ao ler o seu belo texto. Porque tinha acabado de postar algo sobre esse conceito do amor que sonhamos e que, idilicamente, fantasiamos em nosso cotidiano de expectativas. Gostei demais. Docemente reconfortada.

bjs. Veronica