quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Na hora

Sempre soube. Mesmo sem nunca ter visto ou tocado. Sabia que estava lá. Segredo de um relógio. Vai. Não volta. Nem fica. Escorre entre os dedos. Minha pele às vezes é macia. E ele flui mais fácil nesse tempo de suavidade. Um dia, por um segundo perdido, nossos olhos se toparam. Efêmero e improvável. Mesmo assim, perdi a hora. Não ouvi o tilintar. Esqueço. No abre-fecha, desencontros. No fecha-abre, possibilidades. Sinto como um bem-querer. Fecho os olhos para ver melhor. As mãos se abraçam, perpetuadas. Quero cessar. Impossível. Seguro o ponteiro. Tão forte que sangram os dedos. Parou. O silêncio interrompido. E nada, meu Deus, não há nada. Um branco dissolvido. Sem começo, meio ou fim. NADA. Sobressalto e boca seca. Falta-me ar. Não adianta, menina tola, não adianta. Travo os dentes. Solto a alavanca. Os braços doem e ele segue, enfim. Agora o ar está de volta. A pele, ressequida.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Devaneio

Quando abri os olhos, fui envolvida pela vastidão de um céu. Invadiu-me até o fim. A viagem era longa demais e eu já estava na metade. Tão cansada, que poderia retornar, não tivesse andado tanto até ali. Voltar seria pior, eu sei. Era um ônibus nem velho, nem novo. As poltronas eram confortáveis até onde conseguiam ser. Não havia ar condicionado e sol não dava trégua. A estrada estava ruim. Perigosa. Curvas e buracos. Era esse mesmo o caminho? Não sabia. E, juro, não era tempo de respostas. Melhor entorpecer a alma com Clarice Lispector. Ela sempre me leva para a sombra arejada de minha copa preferida, num lugar onde nada provoca. Ali, bem ali, embaixo da árvore, na grama aconchegante e fresca, sento desprevenida e corajosa. Feliz, saboreio o colorido, exalo aromas cintilantes, emito sons de borboleta. Ali, as nuvens são tocáveis. E, sim, são macias e doces. Ora chantili. Ora algodão. E muitas vezes me aninham, colo de mãe, na hora de dormir.