terça-feira, 22 de abril de 2008

Havia sim

Havia uma rua de árvores frondosas e casas bonitas. Havia uma casa amarela. Antiga, mas bem cuidada. De janelas grandes. Com floreiras. E flores. Coloridas. Havia um portão de ferro que gritava quando alguém o abria. Havia uma varanda ampla e iluminada. Com cadeiras de madeira, mas confortáveis. Com samambaias alegres. Confiáveis. Havia uma porta de duas faces. E estavam, ambas, abertas. Então havia uma sala bonita. Móveis de outros tempos. Tudo limpo. Muito lindo. Detalhes não faltavam ali. Relicários, porcelana, delicadas toalhinhas de crochê. Porta-retratos cheios de família. Com sorrisos e muita história. Vidas ali, na minha cara, dizendo “vem ser feliz com a gente”. Havia um sofá cor de baunilha com almofadas coloridas. Uma mesa redonda de madeira escura. Uma fruteira com frutas frescas bem escolhidas. Havia quadros de cavalos e casas de fazenda nas paredes beges. Havia um lustre de cristal. Os raios de sol chegavam pela janela e corriam para os pequenos cristais do lustre, espalhando brilhos coloridos pela sala. Fui atingida por um brilho azul quando um aroma aconchegante de bolo de fubá invadiu subitamente minhas narinas, avisando que era hora de ser feliz. Me puxou para a cozinha. Havia um fogão a lenha. Leite fresquinho. Fervendo. E doce de leito no tacho. Havia uma geladeira antiga, com barulho de infância. Havia uma mesa bonita, com toalha colorida de avó feliz. Café no bule e xícaras pintadas a mão. Biscoitos de polvilho trazidos pela tia. Havia mingau de aveia. Bolinhos de chuva com canela e açúcar. Quentinhos. E o bolo de fubá, claro. Havia um assovio. Assoviava uma melodia alegre e doce. Havia um vestido estampado. Cabelos de algodão. Havia também um sorriso. Um sorriso de mel. Olhos negros puxadinhos. Havia braços quentes. Abertos e entendidos. Para o melhor abraço. Havia um colo macio, florido de compreensão. Um beijo molhado no amor incondicional. Um arrepio, eu senti. Havia uma benção abençoada por Deus. Sabedoria concedida. Afago milagroso. Havia sim, muita saudade ali.

10 comentários:

Friendlyone disse...

Lembranças de coisas que jamais perderão espaço na memória de quem já conheceu a felicidade da forma mais terna. "Agapemente".

Jacinta Dantas disse...

E nos fazemos,hoje, de tudo o que há nas lembranças do que fomos. E quanto mais lembrarmos dos "cheiros" bons mais estaremos escolhendo a felicidade como presente.
Amei o texto com cheiro de infância à beira do fogão de lenha.
Beijos
jacinta

Beto Mathos disse...

Nossa, fui longe....
Lindo!

Narradora disse...

Que bom que arranjou um tempinho para escrever.
Acompanhei cada passo... vendo pelos seus olhos as memórias que bem que podiam ser as minhas.
Lindo texto.
Bjs

Ilaine disse...

Que belo texto, Luci: Havia tantas coisas preciosas . Havia um colo macio, florido de compreensão. Um beijo molhado e muitas saudades.

Lembranças que fazem parte da vida, que nos formam e nos caracterizam.
Maravilhoso.

Beijo

Letícia disse...

Luci Amiga Minha,

Desculpa e demora em te visitar. Mas nos tornamos amigas e e amigas não somem assim. Você sempre por lá e eu ando por aqui também. Leio seus textos que falam da vida e das casas que conheço e que já visitei. Bom ver literatura tão pura e desarmada. Escrever livre sem alegoria é ser escritora. Estou com vc sempre - criando novo tempo e novas alegrias e casas em que todos podem ser felizes.

Bjs...

Letícia

Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo!!!

Assim que sou disse...

É curioso como, às vezes, podemos estar todos numa incrível e cósmica sintonia. Nem nos conhecemos e um dia, assim meio gauche, vivemos as mesmas aspirações e as descrevemos. Cada qual com seu traço, seu lápis, seu medo e seu abraço.
Seu post disse, de uma forma definitivamente singela, tudo o que também quis dizer no dia de hoje. Queria um dia assim. Com cheiro de bolo de fubá.
bjs

Camilla Tebet disse...

Que emocionante. Que viagem. Queria que continuasse, fiquei triste quando o texto acabou.. queria mais. Beijos e que bom que voltou.

João Neto disse...

Luci e sua infindável delicadeza. Belo texto. Tantas lembranças evocadas em tão poucas palavras. Vou te contar, aqui em casa, há muitos anos atrás, quando era época de São João, as mulheres da família compravam muito milho e passavam o dia fazendo guloseimas. Uma de minhas preferidas era o bolo de milho de minha avó, uma delícia, assim como o seu texto.