quinta-feira, 31 de janeiro de 2008


"Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.”


Clarice Lispector

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Gosto

Gosto de manhãs de domingo, frescas e com cheiro de grama molhada.
Gosto de dias ensolarados. E dos chuvosos.
Gosto de férias, de não ter o que fazer e fazer nada.
Gosto de cheiro de café com bolo de fubá.
Gosto de beijo na boca, de hálito de hortelã e cheiro de banho.
Gosto de cheiro de espuma de barbear e da pele lisinha do rosto do meu homem.
Gosto de sexo selvagem.
Gosto de ser admirada.
Gosto de chocolate com amêndoas, chocolate quente com conhaque em noites frias e muito sorvete de chocolate crocante em dias de verão.
Gosto de comer até passar mal.
Gosto de novela, de séries, enlatados.
Gosto de histórias de amor.
Gosto de cinema vazio e muita pipoca.
Gosto de ler. De pensar.
Gosto de acordar tarde e não ter hora pra dormir.
Gosto de recordar momentos especiais.
Gosto de sonhar acordada.
Gosto de sentir saudade.
Gosto de solidão.
Gosto de perceber um milagre.
Gosto de escrever me sentindo o deus das palavras.
Gosto de criar, de inventar.
Gosto de quando sinto a energia da vida.
Gosto de quando tenho coragem.
Gosto de surpresas agradáveis.
Gosto de espirrar.
Gosto de dar gargalhada.
Gosto de meus amigos sinceros e engraçados, cheios de amor, cheios de vida.
Gosto quando a vida por si me deixa feliz, sem precisar recorrer a estratagemas.
Gosto de quando sento em frente ao micro – assim como agora – e começo a escrever sem compromisso, apenas exercitando a liberdade que tenho aqui, a deliciosa sensação de que não há regras e que posso fazer o que quiser.
Gosto da liberdade, mas muitas vezes ainda me sinto presa a preconceitos, princípios, moral, medo, falta de um monte de coisas.
Nesses minutos insuportáveis sou o carrasco de mim.
Sou as muralhas e cada pedra fui eu que empilhei e selei.
Sou a cola, a porta, a fechadura.
Só não sei se sou a chave.

Texto escrito em 2003

domingo, 27 de janeiro de 2008

Uma família

Uma família. Várias vidas. Dona Lúcia era a mãe. Seu Armando, o pai. Julia, a primogênita. Miguel era o caçula.
Dona Lúcia, com seu 56 anos, era gorda. Professora, ensinava para viver. Calada, sobrevivia.
Seu Armando vivia para o Corinthians. Desde criança, este era o seu motivo. Tinha 60 anos.
Júlia queria ser atriz. Menina bonita, tinha 16 anos. Muitos amigos, vivia sorrindo. Mas, dentro de seu pequeno quarto, vivia chorando.
Miguel era feliz. Tinha 12 anos e ainda não sabia.
Dona Lúcia ficava feliz com a novela das oito. Acordava pensando nas personagens e rezava para o tempo voar.
Seu Armando trabalhava como um robô. Fazia tão bem seu trabalho que nem sabia por quê. Mas fazia. Sempre foi assim. E só era feliz no gol do Timão.
Júlia nem se lembrava quem era. Gostava tanto das aulas de teatro do colégio. E devorava Clarice Lispector.
Miguel gostava de beijar a mãe. Assistir o jogo do Corinthians com o pai. Debochava da irmã.
Um dia, dona Lúcia perdeu a novela. Seu Miguel ficou triste com o Corinthians. Júlia se apresentou na peça de fim de ano da escola. Brilhou no papel de Alaíde, a neurótica e oportunista noiva de “Vestido de Noiva”, do extasiante Nelson Rodrigues.
Brilhou tanto que agora queria ser Alaíde.
Miguel não entendeu.
Dona Lúcia se fez de entendida.
Seu Armando praguejou.
Mas Júlia já não mais era. Júlia, enfim, foi.
E a família, que nunca existiu mesmo...

Escrito em 20/junho/2004

Paralelo

Sempre foi de pensar muito, mas nunca havia pensado tanto e chegado a conclusões tão fantásticas.
Rogério tinha 13 anos, mas seu cérebro era mais velho. Seu pai dizia que era de outro mundo, o que ele encarava como outra galáxia. Sua mãe não o compreendia e quando ele fazia aquelas perguntas complexas, ela arregalava os olhos e gaguejava, depois piscava, e respondia com outra pergunta. "De onde você tirou isso, menino?"
E ele ficava ainda mais confuso, mas acostumado.
Na escola, todos o estudavam. Seus professores riam, muitas vezes, de suas conclusões e interrogações mais que precoces... Absurdas!
Ficção científica era seu forte, mas não acreditava em ficção. Apenas no científico. Para ele, havia seres extraterrestres entre nós e poderíamos, inclusive, ser seus descendentes. Sabia que o universo era infinito... Mas questionava o infinito e sua grandeza. Dizia que tamanho não existia e sim proporções. Que podíamos todos fazer parte de um átomo que formava outro mundo e este, por sua vez, se fazia em outro, e assim por diante. Acreditava que tempo e espaço eram os fundamentos de tudo e a vida era algo inexplicável e mágico. Sabia que existem várias esferas de vida, outras dimensões, mundos paralelos e diversos desfechos para qualquer história.
Quando cresceu, parou de perguntar. Passou a observar, refletir, meditar. Ficou velho e morreu pensando. Hoje está em outra esfera, pensando que poderia ser um átomo, uma formiga, um ET.
Amanhã ele parou de pensar e resolveu estudar literatura. Depois de amanhã é jogador de futebol. Outro dia foi responsável pelo fim deste mundo.
Ou daquele?
Rogério pirou.

Escrito em 2001.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Mas começo como?

Ter um blog hoje, eu sei, é banal. Afinal, há de todos os tipos, cores e sabores: já andei bisbilhotando... Mas pra mim é novidade. Há tempos quero arriscar e sempre invento uma desculpa e deixo pra depois.
Pois o depois chegou, enfim. Hoje, tomando um café no shopping, fui encorajada por uma amiga querida (uma escritora de raro talento, que ainda será muito famosa, eu sei!) que me incentivou, botou uma pilhazinha e cá estou eu escrevendo isso aqui, ai ai... Nem sei no que vai dar, mas vamos lá... Acabei de criar o "Sem Crase", bem no espírito de sem crise. E, assim, pretendo usá-lo para publicar meus textos, idéias, imagens, traços, riscos e muitos rabiscos, sem medo.

Frio na barriga e vamos lá.
Abaixo estou publicando um texto que tenho engavetado há alguns anos. Vou começar com ele... Pois, de certa forma, acho que merece estar aqui:


Buterfly
Sonhei com borboletas.
Quero ser levada por elas quando morrer.
Elas têm que estar lá!
Borboletas são os anjos do paraíso.
A vida pós-morte.
Vida eterna.

Beleza bonita e quieta.
Alegres, vivas. Leves.
Livres.
Sorrisos coloridos no ar.

Quando morrer, quero ser levada por elas.
Flutuar sorrindo. Gargalhar colorindo.
Viver eterna. Sorrir pra sempre.
Êxtase de vida na morte
Ruptura. Abre-fecha.
Vida.
Borboleta.