Dona Lúcia, com seu 56 anos, era gorda. Professora, ensinava para viver. Calada, sobrevivia.
Seu Armando vivia para o Corinthians. Desde criança, este era o seu motivo. Tinha 60 anos.
Júlia queria ser atriz. Menina bonita, tinha 16 anos. Muitos amigos, vivia sorrindo. Mas, dentro de seu pequeno quarto, vivia chorando.
Miguel era feliz. Tinha 12 anos e ainda não sabia.
Dona Lúcia ficava feliz com a novela das oito. Acordava pensando nas personagens e rezava para o tempo voar.
Seu Armando trabalhava como um robô. Fazia tão bem seu trabalho que nem sabia por quê. Mas fazia. Sempre foi assim. E só era feliz no gol do Timão.
Júlia nem se lembrava quem era. Gostava tanto das aulas de teatro do colégio. E devorava Clarice Lispector.
Miguel gostava de beijar a mãe. Assistir o jogo do Corinthians com o pai. Debochava da irmã.
Um dia, dona Lúcia perdeu a novela. Seu Miguel ficou triste com o Corinthians. Júlia se apresentou na peça de fim de ano da escola. Brilhou no papel de Alaíde, a neurótica e oportunista noiva de “Vestido de Noiva”, do extasiante Nelson Rodrigues.
Brilhou tanto que agora queria ser Alaíde.
Miguel não entendeu.
Dona Lúcia se fez de entendida.
Seu Armando praguejou.
Mas Júlia já não mais era. Júlia, enfim, foi.
E a família, que nunca existiu mesmo...
Escrito em 20/junho/2004
2 comentários:
Amei o fim, cara Julia.
Gostei muito, bem real...é o que eu falo sobre a velha preguiça de pensar. O resultado é que todo mundo fica meio mecânico. Normal, né?!
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