sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Mundos

Ela tinha 13 anos e era gorda. Achava que por ser grande, era pequena. E apesar de seu tamanho, sentia-se invisível.
Em um mundo de magros, ser gorda era uma condenação.
Naquela tarde de um verão impossível, ela estava sozinha, suando, sentada na cadeira de balanço da varanda de sua casa, observando as meninas magras que brincavam na rua. De minuto a minuto a cadeira rangia, e a cada rangido, ela lembrava de sua condição. As bonitas são magras. As magras são bonitas. Ela não era. Era. Foi. Será.
Foi em um dos segundos suados daquela tarde eterna que ela sentiu um olhar morno, da rua, em sua direção. Com 13 anos, querendo ser o que não era, encontrou dois olhos sorrindo, de verdade. Sentiu um frio quente. Na rua, uma menina magra, longa e esguia a percebia. Naquele longo minuto ela era. E a comprida menina, de sorriso nos olhos, acenou. Ela, agora ela, não convidou.
Mas cadeira de balanço gritou mais alto. E então a magra entrou no jardim da casa.
Ficaram juntas, naquela varanda. Nada disseram por um intrínseco momento. Uma com o sorriso e a outra, com os olhos arregalados.
Ela existia. Era verdade. Descobriu-se no mundo que não era dela.
- Posso me sentar aqui? - Perguntou a menina longa.
Ela não sabia. Sequer conseguia.
- Posso? - Insistiu a comprida.
Com esforço, respondeu um soluçado sim.
Acomodou-se então, ali, com uma facilidade invejada.
- Sempre quis saber seu nome.
- Sou Lucinda... - disse sonâmbula.
- E eu Rita.
- E o que quer?...
- Conhecer você.
- Por quê?...
- Quero ser sua amiga, mas tive que criar coragem pra chegar até aqui. Não sabia se você ia gostar de mim.
As palavras lhe soaram estranhas e teve certeza de que falavam diferentes idiomas.
- Quer ir ao parque amanhã? - Continuou a longa menina magra, sentada aos pés da cadeira, que não parava de gritar.
- Não... - Disse dolorido. E com lenta rapidez, levantou-se daquela cadeira. Entrou na casa. Salva, trancou-se na cozinha, mas a fome nao estava lá. Fugiu para seu pequeno quarto, mas não conseguiu encontrar as suas coisas. Tinham desaparecido.

Escrito em 2001

3 comentários:

Camilla disse...

Os seus finais são sempre surpreendentes. As coisas tinham desaparecido porque ela não era mais ela mesma... Sei lá. Pra pensar.
beijos

Pratas Diversas disse...

mundos diferentes *o real: de mentiras, injustiças, tristezas, preconceitos, dor...
*o espiritual: de verdades, leveza, descobertas, alegrias, convívio, experiências, vida...
minha amiga que me deixa mais perto do mundo da fantasia, da imaginação, do real e espiritual

Friendlyone disse...

Quando criança eu era gordinha, depois me tornei gorda, agora sou magra e vejo como meu mundo mudou e como o mundo mudou comigo. Às vezes xingo o mundo lá fora, me deixam de saco com tamnha hipocrisia. Na sua história a gordinha até que poderia ter sido feliz com a nova amiguinha. Vai saber, né?!