quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sem inspirar

Preciso trabalhar. Há dias tento me inspirar e mal consigo respirar. E tenho que escrever tanto... As palavras não se entendem. As idéias estão se acotovelando. São muitas. É preciso ordem. Não há ordem.
Acordo, disposta e ansiosa. Sento diante da tela em branco e ela continua em branco o resto do dia. Isso já dura uma semana. Tenho prazos, meu Deus, tenho prazos! O tempo me cerca, pinica meu corpo, deixa meus pensamentos sem ar. Quase morrem. A ansiedade me consome, avassaladora, cruel, afiada. Pára, pára! Paro. Não insisto, desisto. Deixa pra lá... Calma, preciso ficar calma.................
Vou tomar um café, beliscar baboseiras. Demoro um pouco. Queria demorar muito. Mas volto logo. Sento, me acomodo novamente. Fecho os olhos pra não ver o branco em branco. Decido piscar uma idéia na anarquia. Mas elas se acotovelam mais. Me machucam, me beliscam. Eu grito! Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...
Nada adianta. O que preciso está bem guardado, escondido. Ta até mofado.
Anteontem joguei tudo pro alto e fui pro cinema. Juno. Quase duas horas de um belíssimo filme. Quase duas horas de sossego. Paz. Queria viver naquela sala de emoções desocupadas. Cinema sozinha, uma boa história que não é minha. Pipoca gorda. Cheiro despreocupado. Mas os créditos vieram e voltei. Sentei, me acomodei novamente. E a tela, branca. Nada novo. Nada velho. Nada bom, nada ruim. Nada-nada-nada.
Ontem não suportei. Me joguei no sofá. Como num precipício, sabe? Como quem perde a partida final de um campeonato importante. Como quem sabe o ofício mas parece tomado por uma repentina amnésia que chega estúpida, sem propósito e sem medidas.
Hoje a tela tava branca novamente. Mas resolvi mudar isso e escrever. Sem porquês. É o que estou fazendo, meu caro. A tela não está mais branca. Agora quem está branca sou eu. Só eu.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Por carta

Não sei bem como começar esta carta, mas creio já ter começado, não é? Pois bem, então, como vai você? A família, os colegas de trabalho, os amigos, os inimigos? E os meus cachorros que ficaram aí contigo? Como vão as minhas coisas?
Aqui estou vivendo de repente. Tudo acontece. Nada é programado.
Acordo cedo, mas só porque o corpo pede. Ele é quem manda. Faço exercícios ao ar livre. Me alimento de pensamentos inatos. Durmo com sonhos alheios e desperto com pesadelos próprios. Sim, os malditos vieram comigo. Pensa que é fácil escapar?
Ma um dia eles morrem. Tenho fé.
Mesmo assim, consegui abrir um vazio enorme para preencher de descobertas, novidades, conhecimentos, curiosidades, simplicidades, facilidades. Vida nova. Nova vida. Com cheiro de dia começando, fresquinho. Ar purificado. E muita água corrente, que traz e leva. Não pára, sabe? Cansei de água parada.
Também tem lugar para novas pessoas. Sem preconceitos, predeterminações, predestinações. Sem pré nenhum. Ah, e sem pressa. Agora o tempo é meu amigo. Não nos cobramos, não nos atormentamos. Há respeito entre nós. Só assim podemos conviver e quem sabe, um dia, até sermos felizes juntos. Tudo é possível agora.
Tem espaço para cores berrantes e calminhas. E para as mescladas. Os sabores que picam. E os que derretem. Tem lugar de sobra para aromas, cheiros, odores oriundos. Tem um canto quente e uma aresta gelada.
Reservo ainda uma esquina sem desencontros. E caminhos abertos que me levarão às ruas, estradas, rios, mares, cidades e países que esperam ansiosamente por mim. E onde deixarei percepções, sensações, arrepios, delicadeza, volúpia. Sentimento.
Tem um lugarzinho bem apertado para o medo. Porque assim ele me protege sem me machucar. Para a tristeza também não dou moleza. Ela já quase não vem mais.
O amor já se instalou. Na verdade, foi ele que me aconselhou a buscar a felicidade. Eu a vejo sempre. Visitamos-nos com freqüência e estamos convivendo muito bem. Ela traz consigo a simplicidade, que me tranqüiliza. E a facilidade. Nada é tão fácil, ela diz, sempre que me abraça.
Como você pode ver, tudo está bem por aqui.
Aprendo vivendo. Vivo aprendendo.
Vem pra cá comigo!
Um beijo.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ser

O universo é infinito porque somos pequenos demais.
Tão pequenos que sequer sabemos ser.
Apenas acreditamos saber.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A caixa

O que eu guardo nessa caixa?
É segredo. Coisa minha.
Pára. Não insista.
Aqui guardo o que não se mostra. O que ninguém jamais viu.
As lembranças abandonadas e as vontades esquecidas.
Os sonhos que nunca viveram.
As verdades nunca ditas.
E as mentiras juradas.
Guardo aqui as ilusões.
Os rancores e os amores.
Os sentimentos dissimulados
E as paixões dizimadas.
É aqui que escondo as lutas que não lutei.
Os caminhos perdidos e as trilhas jamais trilhadas.
Os mapas rasgados.
E as aventuras divagadas.
Aqui oculto o que me devora
A fome desnutrida e a sede não saciada.
O desejo proibido
E as aspirações censuradas
Abrigo aqui os gritos abafados
O verbo desconjugado.
Os detalhes não notados.
E a palavras encurraladas.
O que eu guardo nessa caixa?
Guardo o medo e a máscara.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Café amanhecido

Ele estava atrasado. E eu, ligeiramente ansiosa. Já estava no segundo café e no terceiro cigarro. Já folheara três revistas e tentara ler, em vão, a capa do jornal de ontem. Por que será que o jornal do dia sempre chegava no outro dia naquela cafeteria? Tudo era tão charmoso ali, tão gostoso e confortável. Mas as coisas sempre tendiam a atrasar naquele lugar. Olhei em volta à procura da garçonete. Ia pedir uma água, minha garganta estava secando. Cadê a moça? Ah está ali, atendendo aquela mesa. Espere um minuto! Acho que ele está sentado ali! Mas que desencontro, será que entrou e não me viu aqui? Levantei, abruptamente, deixei cair a bolsa grande que estava pendurada na cadeira, e as coisas se espalharam. Como sou desastrada. A garçonete correu para socorrer-me. Obrigada. Mas ele nem se virou. Que mal educado. Tudo bem, não deve ter me visto. Mas também, o que isso importa agora? Quero mesmo é reencontrá-lo. Espero sua volta desde um tempo que já não existe mais. Vou guardar as coisas bem rápido, depois organizo com calma. Agora preciso ir até ele. Preciso sentir o seu cheiro e ouvir a sua risada. Rir de suas piadas. Divagar com ele. Falar sobre o último filme que vimos juntos, há muito tempo, e que não tivemos tempo de comentar. Bem, vou andando, agora devagar e segurando a bolsa. Ele continua bonito, mesmo de costas, sei que continua bonito. Agora tem um cabelo levemente grisalho, mas continua todo desgrenhado, como na infância. E suas costas continuam largas. Vou me aproximando e sinto meus pés mais pesados. Frio na barriga, arrepio nas costas e boca formigando. Olá. Ele levanta a cabeça. Me olha profundamente. Nossa, como está diferente, mais velho. Os olhos parecem cansados e a pele angustiada. Mas o olhar é o mesmo. Sim, ele ainda mora naquele corpo. Olá, insisto. Ele não sorri, como eu esperava. Não se levanta, como eu esperava. Não me beija, nem me abraça. Apenas devolve o olá. Recíproco. Eu me sento na cadeira à sua frente, desolada. Começo a me anestesiar. Nossa, quanto tempo, hein. Digo, meio sonâmbula. Ele arrisca um sorriso, mas não tem sucesso. Começo a me entristecer. Ele, então, segura a minha mão, na tentativa de consolar alguém que pretende proteger, mas sabe que não pode. Sinto seu calor, sua pele ainda macia e acolhedora. Quase me alegro. Por um segundo meu corpo se alivia. Ele pergunta se estou bem. Sua voz ainda me fascina. Diz que o tempo não passou pra mim. Que sentiu sim a minha falta, durante todos aqueles longos anos. E em nenhum momento, ele sorri. Não vejo entusiasmo. Nada. Mas é ele, ainda, eu sei que é. Posso sentir a mesma voz de antes. Mesmo que agora esteja se esvaindo. O que está acontecendo, por que aquele adeus sem ter sido? Olho nos seus olhos, à procura daquela vida contagiante de antes. Só encontro dois pares de pupilas. Prisioneiras daquele olhar de meia vida juntos, meia vida separados. Procuro as palavras de ontem em sua boca. Mas ele não as diz. Elas já morreram. Foram sepultadas há tempos, agora eu sei. Ele mergulha um fio de olhar de antes nos meus olhos e então, solta a minha mão, de uma vez, pra não doer muito. Levanta-se desajeitado. Vira-se rapidamente e nada mais. Bonito, sempre bonito. Eu, por mais que tentasse, fiquei ali, parada, sentada, pregada naquela maldita cadeira daquela cafeteria esquecida, de noticias atrasadas. Vi aquele homem se arrastar calmamente até a porta, sem olhar pra trás, sem me dar qualquer porquê. Abriu a porta. Passou pela porta. Fechou a porta. E eu continuei ali, na cadeira solitária daquela mesa velha, não mais charmosa, com um café frio na minha frente e a garganta seca por um grito que não gritei. Os braços paralisados à espera do abraço que não veio, agora se prenderam à cadeira. A boca, semi-aberta, semi-acabada. Semi-boca. Os olhos desacreditados tentavam não ver o nada que surgia com o fechar daquela porta. A dor pairou. Bebi o café frio e o olhar endureceu. Mais uma vez. E agora sem fim. As lágrimas, então, viraram suor.

Ladainha

Tive medo de acordar e abrir a janela.
A janela, muitas vezes, é cruel.
Tive medo de abrir os olhos. De me mexer. Sentir que estava viva.
Não sabia se havia sol.
Muitas vezes não sabia.
Às vezes nada sei.
Penso que sei, mas não sei.
E nada me consome.
Nada é muito.
Verdade. O que é verdade?
O que é A verdade das coisas?
As coisas são reais?
O que é Ser real?
O que é ser?
Viver é o quê?
Será mesmo que quero saber?
O que é saber?
É ser?
Se não sei, não sou?
Agora a cama não mais me quer.
Preciso abrir os olhos e olhar.
Olhar é ver?
Meus olhos estão cegos.
Olho, mas não vejo.
Há dias em que não abro os olhos. Mas vejo.
Outros dias abro os olhos e nada vejo.
Em que dia sou mais feliz?
O que é Ser feliz?
Pronto. Abri os olhos. Está tudo vermelho.
Fugi da cama. Ali não era mais meu lugar.
E agora?
Era muito cedo e eu já de olhos para o mundo.
Que mundo?
Onde vivo?
Vivo?
Ah! Eu não quero. Não hoje.
Amanhã eu quero.
Vou viver até amanhã.
Posso morrer?
O que é morrer?
Será que já morri?
Alguém me chama.
Quem será?
Quem é quem? O que querem?
Eu quero o quê?
Por que será que todos sempre estão querendo?
Eu queria não querer.
E assim mesmo estou querendo.

Escrito em 2004

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Pode entrar

O que está olhando? Pára com isso e vai cuidar de sua vida, que deve estar muito chata para você ficar bisbilhotando a minha. Ah é, vai continuar aí, parado, olhando? E rindo, ainda por cima... Pois bem, continue. Nem ligo. Melhor: vou deixar você entrar.
Acomode-se, fique à vontade. Vou te servir meus amores e desamores, com seus sabores apimentados e surpreendentes. Depois você vai se abarrotar com a minha coragem e se extasiar com minhas alegrias. Vou deixar que desvende meus desejos mais excitantes e os segredos mais abusados. Vem, pode escancarar meus pudores e comover-se com algumas lembranças. Claro, abuse do meu bom humor e ria minhas risadas. Vai sentir-se tão bem com doces aromas guardados e delicados sabores apurados, que irá guardá-los de recordação. Vai ter vontade de se aninhar nos meus carinhos e dormir com os meus sonhos. Também cobiçará minhas conquistas e vibrará minhas vitórias.
Mas tome cuidado nessa hora.
Você também vai se deparar com derrotas feias e envelhecidas, que teimam culpar os sucessos alcançados. Será perseguido por alguns pesadelos que ainda não matei. Sofrerá com a tristeza de minhas angústias e será traído por medos mascarados. Sentirá náuseas ao descobrir arrependimentos ocultos e terá vergonha de algumas atitudes que encontrará escondidas em algum canto sujo.
E, se ao fim de tudo isso, ainda estiver aqui (mas duvido, me desculpe!) experimentará uma deliciosa sensação macia e reconfortante, com cheiro de infância e gosto de felicidade.
Eu prometo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Curto

Ele sempre a olhava com um sorriso. E no auge de seus 16 anos, ela gostava.
O sorriso dele era engraçado. Ela não sabia se ele sorria ou ria. Dela. Mas arriscava corresponder. Mesmo com receio, ela sorria pra ele.
Os olhos dele também pareciam engraçados. Às vezes, meio debochados. Seria essa a sua natureza? Era um tímido debochado.
O olhar receoso dela cruzava com os olhos juntos dele.
Sempre riam. Mesmo de longe, riam.
Um dia conversaram. Ele era alto e desajeitado. Bonito e grande demais para sua timidez. Era sim um tímido engraçado. Não falava muito. A voz era grossa. Bonita. E a conversa, curta.
Um dia se beijaram. Na boca! Beijo pequeno. Curto.
O tempo. Os anos...
Um dia se encontraram. Transaram. Curto.
Grande, pequeno. Debochado.
Foi.

Escrito em 2004.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Mundos

Ela tinha 13 anos e era gorda. Achava que por ser grande, era pequena. E apesar de seu tamanho, sentia-se invisível.
Em um mundo de magros, ser gorda era uma condenação.
Naquela tarde de um verão impossível, ela estava sozinha, suando, sentada na cadeira de balanço da varanda de sua casa, observando as meninas magras que brincavam na rua. De minuto a minuto a cadeira rangia, e a cada rangido, ela lembrava de sua condição. As bonitas são magras. As magras são bonitas. Ela não era. Era. Foi. Será.
Foi em um dos segundos suados daquela tarde eterna que ela sentiu um olhar morno, da rua, em sua direção. Com 13 anos, querendo ser o que não era, encontrou dois olhos sorrindo, de verdade. Sentiu um frio quente. Na rua, uma menina magra, longa e esguia a percebia. Naquele longo minuto ela era. E a comprida menina, de sorriso nos olhos, acenou. Ela, agora ela, não convidou.
Mas cadeira de balanço gritou mais alto. E então a magra entrou no jardim da casa.
Ficaram juntas, naquela varanda. Nada disseram por um intrínseco momento. Uma com o sorriso e a outra, com os olhos arregalados.
Ela existia. Era verdade. Descobriu-se no mundo que não era dela.
- Posso me sentar aqui? - Perguntou a menina longa.
Ela não sabia. Sequer conseguia.
- Posso? - Insistiu a comprida.
Com esforço, respondeu um soluçado sim.
Acomodou-se então, ali, com uma facilidade invejada.
- Sempre quis saber seu nome.
- Sou Lucinda... - disse sonâmbula.
- E eu Rita.
- E o que quer?...
- Conhecer você.
- Por quê?...
- Quero ser sua amiga, mas tive que criar coragem pra chegar até aqui. Não sabia se você ia gostar de mim.
As palavras lhe soaram estranhas e teve certeza de que falavam diferentes idiomas.
- Quer ir ao parque amanhã? - Continuou a longa menina magra, sentada aos pés da cadeira, que não parava de gritar.
- Não... - Disse dolorido. E com lenta rapidez, levantou-se daquela cadeira. Entrou na casa. Salva, trancou-se na cozinha, mas a fome nao estava lá. Fugiu para seu pequeno quarto, mas não conseguiu encontrar as suas coisas. Tinham desaparecido.

Escrito em 2001